Contra-ordenações. Em dois anos prescrevem mais de 683 processos
Em apenas dois anos, prescreveram no Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa pelo menos 683 processos contra-ordenacionais. Pelo menos porque, na prática, e de acordo com um relatório a que o i teve acesso, entre 2006 e 2007, "uma percentagem muito significativa dos 1297 processos" que terminaram com a indicação "por outros motivos" terá chegado ao fim por "essa mesma causa", alega o documento. O número, explicava o relatório, não "traduziria toda a realidade das prescrições, já que esta causa de extinção do procedimento nem sempre é inserida no sistema".
O documento foi aprovado em Fevereiro de 2010 e resultou de uma inspecção do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) aos serviços do MP naquele tribunal, em Abril e Maio de 2009. Se em 2004 tinham ficado pendentes 3569 processos contra-ordenacionais, em 2010 eram já 5478, ainda assim menos que 6606, o número recorde de pendências em processos desta natureza, atingidos em 2007.
Os atrasos eram tais que o órgão de disciplina dos magistrados do Ministério Público dizia ser "urgente um saneamento dos processos mais antigos" e deixava um alerta: "Para além da impunidade resultante desses atrasos, quer no que respeita à segurança estatal, já que a esta diz respeito a larga maioria dos recursos, quer no que respeita à economia e finanças, já que aí se contabilizam os valores das coimas mais elevadas que, eventualmente, deixarão de ser cobradas, a verdade é que fica em causa o sistema contra-ordenacional do Estado, pelo menos na área de Lisboa".
A Procuradoria-Geral da República (PGR) já tinha confirmado ao i que o Conselho e a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL), tendo tomado conhecimento de que "se encontrava em risco de prescrição ou já prescrito elevado número de processos de contra-ordenação" tinha, nos anos de 2010 e 2011, transmitido a situação a "diversas entidades" para que fossem tomadas medidas. A PGR também adiantou que entre Junho e Outubro de 2010, "a PGDL comunicou ao presidente do Conselho Superior da Magistratura, em várias ocasiões, um avultado número de processos contra-ordenacionais em que se tinha verificado a prescrição do procedimento criminal e das coimas aplicadas", tendo "defendido a adopção de medidas organizacionais e institucionais de recuperação". Ainda assim, ontem, os membros do CSM, ouvidos no parlamento a propósito da prescrição da multa de 1 milhão de euros de Jardim Gonçalves, não esclareceram o que foi feito após receberem estes alertas.
E este nem foi o único relatório a alertar para o caos nos processos contra-ordenacionais na Pequena Instância Criminal de Lisboa. Um relatório elaborado a 2 de Dezembro de 2009, pelo Ministério Público, sobre o estado dos juízos daquele tribunal sublinhava, a propósito de uma notícia que teria vindo a público, que era nos juízos de pequena instância e não nos serviços do Ministério Público que se encontravam "pendentes milhares de execuções por coimas e multas que acabam por prescrever". Nestes processos de contra-ordenação, recorde-se, a investigação é conduzida pela entidade administrativa e não pelo MP, ficando depois os juízes encarregues de julgar os recursos.
Naquele documento, a procuradora Josefina Fernandes, que à data coordenava o MP na Pequena Instância Criminal, dizia haver processos pendentes de 1998. E que, "por regra, aquelas execuções ficavam pendentes, em média, 3 e 4 anos nas secções, sem qualquer movimentação". Quando concluídos, explicava, o juiz titular do processo limitava-se "a considerar que a coima prescreveu". Após identificar cinco números de processos em que essa situação tinha acontecido, o relatório frisava que os casos de 1998 teriam ficado "anos parados nos juízos sem marcação de julgamentos" e em 2008 "devolvidos ao Ministério Público pelo incumprimento dos prazos de realização de julgamento". A continuar assim, avisava a procuradora, e tendo em conta que estavam pendentes naqueles juízos "um enorme acervo de contra-ordenação - cerca de 5500", sem um "agendamento de julgamentos significativo", estar-se-ia a caminhar para "milhares de prescrições" naqueles processos contra-ordenacionais.
O relatório anual de 2008 também insistia no problema, dizendo ser "extremamente preocupante" a situação daqueles recursos. Nessa altura, tinham entrado duas juízas auxiliares encarregues de tratar de todos os processos pendentes: cada uma ficou com 2900 casos para resolver nas suas mãos. Nesse ano, insistia o documento, e de acordo com os registos informáticos, dos 1296 processos terminados, 241 tinham terminado com a prescrição. Mas uma "consulta aleatória" tinha confirmado que o universo de prescrições seria "muito superior" ao registado.
E já nesta altura o relatório alertava: "Numa situação de grave crise do sistema financeiro constata-se que se encontram pendentes, sem decisão final, recursos de decisões do Banco de Portugal e da CMVM, cuja entrada em juízo remonta a 2004 e 2006." E se as execuções por coima não representavam multas de milhares de euros, como nos casos movidos pelos reguladores financeiros "a inércia do tribunal" seria geradora de um sentimento geral de impunidade por parte dos infractores."
Jornal Ionline | Silvia Caneco | 23.04.2014
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