Acórdão STJ - Nascituro - Personalidade jurídica - Responsabilidade extracontratual - Danos não patrimoniais
"I - Repugna o mais elementar sentido de justiça - e viola o direito constitucional da igualdade - que dois irmãos, que sofrem a perda do mesmo progenitor, tenham tratamento jurídico diferenciado pela circunstância de um deles já ter nascido à data de falecimento do pai (tendo 16 meses de idade) e o outro ter nascido apenas 18 dias depois de tal acontecimento fatídico, reconhecendo-se a um e negando-se a outro, respectivamente, a compensação por danos não patrimoniais próprios decorrentes da morte do seu pai.
II - Seguindo o entendimento magistral do Prof. Pedro Pais de Vasconcelos, o art. 66º nº 1 do CC deve ser entendido como referindo-se à capacidade de gozo, e não propriamente à personalidade jurídica - como aliás sucedia com o art. 6º do Código de Seabra e com o §1 do BGB -, uma vez que o reconhecimento da personalidade dos seres humanos está fora do alcance e da competência da lei, seja ela ordinária ou constitucional.
III - O nascituro não é uma simples massa orgânica, uma parte do organismo da mãe, ou, na clássica expressão latina, uma portio viscerum matris, mas um ser humano, com dignidade de pessoa humana, independentemente de as ordens jurídicas de cada Estado lhe reconhecerem ou não personificação jurídica.
IV - Ainda na fase intra-uterina os efeitos da supressão da vida paterna fazem-se sentir no ser humano, sendo os danos não patrimoniais daí decorrentes - traduzidos na falta desta figura, quer durante o período de gestação, quer depois do nascimento, com o vazio que tal ausência provoca - merecedores de compensação.
V - No momento do nascimento, completo e com vida, as lesões sofridas pelo nascituro tornam-se lesões da própria criança, ou seja, de um ser com personalidade (Heinrich Ewald Hörster, in «A Parte Geral do Código Civil Português», Almedina, 1992).
VI - Não constitui óbice ao reconhecimento de tal direito o argumento da exigência da contemporaneidade da personalidade com a lesão uma vez que: (i) nos Estados de Direito contemporâneos é cada vez mais frequente a demanda cível e a responsabilização de agentes cujos actos se produzem a logo prazo ( de que são exemplo transmissão de doenças cujos efeitos se manifestam anos depois, catástrofes cujos efeitos se revelam à posteriori e traumatismos causados por acidentes cuja evolução para neoplasias malignas acontece a consideravel distância cronológica; (ii) a relação entre a causa e o efeito não implica necessariamente que os danos ocorram imediatamente, apenas se exigindo o «nexo umbilical» que determine que o efeito ocorreu devido ao evento causado por terceiro."
Acórdão integral do Supremo Tribunal de Justiça de 03.04.2014
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