29-04-2014 15:08

Divorciados que decidem emigrar. Quem fica com a guarda dos filhos?

Desde 2008, segundo o Observatório da Emigração, terão emigrado 400 mil portugueses. Esta fuga em massa trouxe novos problemas às famílias e aos tribunais. Há cada vez mais casais divorciados e emigrantes em conflito na justiça por causa da guarda de crianças. Um processo de regulação das responsabilidades parentais raramente é pacífico e a ideia de ficar a milhares de quilómetros de um filho por tempo indeterminado incendeia mais a disputa.

Não existem estatísticas sobre o número de processos de regulação do poder paternal que envolvem a emigração de um dos progenitores. Mas Maria Filomena Neto, advogada na JPAB, garante que há cada vez mais casos a dar entrada nos tribunais portugueses, deixando os juízes a braços com questões difíceis de ponderar. Deve um pai ou uma mãe que é guardião da criança poder levar a criança para longe por ter decidido emigrar? Como gerir o regime de visitas a uma distância de milhares de quilómetros? É mais importante para a criança o bem-estar financeiro ou o convívio com a família? Maria Filomena Neto diz que é preciso encontrar "soluções criativas" para enfrentar a questão das visitas e recorda que o principal é garantir o "superior interesse da criança". Mas admite não existirem soluções perfeitas. "Seja qual for a decisão em relação ao futuro da criança, uma das partes ficará sempre a perder", avisa.

IMPORTA MAIS O DINHEIRO OU A FAMÍLIA? Anabela conseguiu emprego na Alemanha. Os 1400 euros de ordenado foram determinantes na hora de decidir emigrar e, nos primeiros tempos, até poderia ficar em casa da irmã - que se mostrou disponível também para acolher a filha de cinco anos. Por ser a "figura de referência" da Beatriz, que ainda não está em idade escolar, o Tribunal de Viana do Castelo permitiu que a mãe levasse a criança para o estrangeiro, a título provisório e até que o processo de regulação das responsabilidades parentais ficasse terminado. Beatriz, disse o juiz, poderia manter-se em contacto com o pai através de "meios informáticos".

Manuel, desempregado há quase um ano, ficava com a filha duas vezes por semana, nas férias e aos fins-de-semana de 15 em 15 dias. E opôs-se à decisão: iria perder o contacto com Beatriz. Por isso, decidiu pedir a guarda da filha e chamou a atenção do tribunal para o facto de a ex-mulher não ter apresentado provas de que tinha um emprego à espera na Alemanha. O litígio acabou no Tribunal da Relação de Guimarães, que se viu a braços com um dilema: o que é mais importante na vida de uma criança? O dinheiro ou a possibilidade de manter uma ligação próxima com pai e mãe? Os relatórios da Segurança Social concluíram que havia maiores vantagens económicas para a criança se acompanhasse a mãe, porque na Alemanha poderia "viver mais desafogadamente". Mas também apontaram as desvantagens inerentes à perda do contacto com o pai - que, mesmo desempregado, sempre cumpriu as suas obrigações.

Os juízes acabaram por decidir que Beatriz não deveria emigrar. Não havia provas de que a mãe tivesse emprego estável na Alemanha e a criança ficaria privada do "convívio com o pai" e a família. Deixar Beatriz emigrar, conclui o acórdão, a que o iteve acesso, seria colocá-la numa situação de insegurança por falta de cautelas mínimas quanto à sua real e efectiva realização como pessoa humana no país para onde a mãe a quer levar".

O PROBLEMA DAS VISITAS Diogo tinha três anos quando a mãe decidiu emigrar para França, país onde tinha trabalho, tios e primos. Madalena deu o passo depois de ter ficado desempregada e decidiu levar o filho com ela sem consultar o ex-marido. Mas sabia o que estava a fazer: o acordo de regulação do poder parental de Diogo tinha sido assinado antes de 2008. E só a partir desse ano é que passou a ser obrigatório que pais separados decidam em conjunto as questões importantes da vida do filho, como uma mudança de casa.

Antes, a lei portuguesa permitia ao progenitor que detém o poder paternal decidir tudo sozinho. Ainda assim, Madalena enviou uma carta ao Tribunal de Oliveira do Bairro a dar conta da mudança e a contar que não tinha conseguido contactar o ex-marido para o informar. Bruno esteve vários dias sem saber do paradeiro do filho e recorreu ao tribunal: o juiz determinara que podia estar com o Diogo às segundas-feiras e dois fins-de-semana por mês, mas a ex-mulher não apareceu para lhe entregar a criança. Queixou-se ao juiz de incumprimento e aproveitou para requerer a guarda do filho. Mas o tribunal negou as duas queixas. Como o acordo era anterior a 2008, a mãe tinha plenos poderes para levar a criança sem informar. Como tal, não tinha havido qualquer incumprimento.

Quanto ao pedido da guarda, o tribunal concluiu que não o poderia apreciar porque o Regulamento de Bruxelas (ver coluna sobre legislação) estabelece que depois de uma criança ter a sua "residência habitual" num novo país, cabe aos tribunais desse país decidir. Bruno ainda tentou recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra, mas perdeu. Diogo e Madalena continuam a viver em França.

QUE TRIBUNAIS DEVEM DECIDIR Em 2010, quando Carlos e Cristina se divorciaram, ficou decidido que o filho ficaria com a viver com a mãe em Celorico de Basto. O acordo foi celebrado ao abrigo da nova lei e, por isso, caberia a Cristina decidir sobre as "questões da vida quotidiana" de Tiago, devendo as "questões de importância" ser discutidas em conjunto.

Em Janeiro de 2012, Cristina, que estava desempregada, arranjou trabalho em Paris. Antes de emigrar, deixou o filho provisoriamente com a avó materna, até ter condições para o levar. Um mês depois, Carlos pediu ao tribunal a guarda de Tiago, alegando que a ex-mulher emigrara e o deixara com a avó sem que ninguém o informasse ou consultasse. E argumentou que tinha todas as condições para ficar com a criança.

Cristina contrapôs por escrito, dizendo que tinha emprego em França e avisou que pretendia que Tiago fosse viver com ela em breve. Entretanto, e apesar de o ex-marido não concordar, Cristina levou o filho para Paris e deu entrada com um processo no tribunal francês para alterar a residência habitual de Tiago e tratar das questões relacionadas com a pensão de alimentos e regime de visitas. Em Portugal, Carlos avançou com outro processo, acusando a mulher de ter levado o filho de forma ilícita (sem a sua autorização) e argumentando que o tribunal francês não tinha competência para decidir sobre o futuro de Tiago porque este acabara de se instalar em Paris.

Cristina contra-argumentou que o filho estava prestes a entrar para a escola, pelo que deveria manter-se em França - país onde até nasceu - e recordou que era ela quem tinha a guarda. O Tribunal de Celorico de Basto não lhe deu razão: considerou que Tiago não podia ter emigrado sem autorização do pai e, como tal, considerou que a mudança foi ilícita. O juiz pediu às autoridades francesas que determinassem o regresso da criança e ordenou que a regulação do poder paternal fosse feita em Portugal e não em França. Porque o tribunal de Celorico de Basto conhecia melhor o caso e porque o de Paris só teria competência se a residência habitual de Tiago fosse em França. Mas o menor só lá vivia há três meses. Cristina ainda recorreu da decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, mas perdeu.

Rosa Ramos | Jornal i | 29.04.2014

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